Brasil
Bolsonaro faz apelo golpista e coloca Forças Armadas em saia justa
Bolsonaro faz apelo golpista e coloca Forças Armadas em saia justa.
A
demonstração de apoio do presidente Jair Bolsonaro a uma manifestação
que pedia intervenção militar e “um AI-5” na frente do quartel-general
do Exército fez a crise política inserida na pandemia do coronavírus
subir de patamar.
Como
se isso fosse possível, notou um governador de populoso estado ainda no
princípio do embate com a Covid-19. A agressividade estava na conta,
mas Bolsonaro ainda consegue chocar alguns, a começar por integrantes da
cúpula militar da ativa que trocaram mensagens durante o domingo (19).
A
escolha minuciosa do local e da data, o Dia do Exército, colocou as
Forças Armadas ante um impasse que juravam querer evitar desde que
pactuaram apoio tácito ao pleito presidencial de Bolsonaro no segundo
turno de 2018. Agora, os fardados terão de se posicionar sobre as
intenções de seu comandante nominal.
Bolsonaro
foi claro em sua fala: quer uma ruptura ao estilo Hugo Chávez, de “povo
no poder”, desde que, claro, o poder seja exercido por ele.
Olimpicamente isolado dos outros Poderes, seus instrumentos para tal
missão são parcos.
Congresso,
apesar dos planos mirabolantes de atração do centrão decantados, está
fora de alcance. O Supremo Tribunal Federal, que não engole a família
Bolsonaro direito desde que o filho Eduardo chutou a necessidade de um
“cabo e um soldado” para fechá-lo, idem.
Fritar
de forma desastrada Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde só
levou a outros titulares da Esplanada a certeza de que o próximo poderá
ser um deles ou delas.
Logo,
nada mais natural que dobrar seu apelo aos militares que, aos poucos,
aceitaram serem abduzidos para dentro de seu governo na crença de que
poderiam ditar os rumos de um capitão que saiu pelas portas dos fundos
do Exército no fim dos anos 1980, insubordinado nato que era.
Para
um general ouvido, o presidente apenas quis tensionar o ambiente em um
momento de fragilidade, conforme seu estilo. Para o oficial, da cúpula
da ativa, as Forças Armadas não farão nada que fira seu papel
constitucional.
Outro
oficial, de um setor Marinha mais afastado do governo, preferiu a
comparação com a tentativa frustrada de autogolpe de Jânio Quadros em
1961, que redundou na renúncia do presidente.
Tal
sentimento é compartilhado por governadores de estado, que passaram a
tarde trocando impressões sobre o insólito acontecimento deste domingo.
Dois deles afirmaram categoricamente que Bolsonaro quer dar um golpe,
embora duvidem das condições objetivas para tal.
A
união da classe é, como já foi dito, inédita. No sábado, o Fórum
Nacional dos Governadores divulgou carta defendendo os presidentes da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP),
dos ataques recebidos durante a semana de Bolsonaro.
Os
sinais da tibieza bolsonarista são claros. As carreatas em favor das
ideias intervencionistas foram mínimas, em termos de adesão. Não houve
uma mobilização popular comparável, digamos, à Marcha da Família com
Deus pela Liberdade de 1964, para ficar num exemplo extremo.
A
família do presidente, essa novidade na vida política nacional, ajudou,
postando ao longo do dia em redes sociais apoios dos mais bizarros e
ameaçadores: a cereja foi dada pelo vereador Carlos, replicando um vídeo
de pessoas atirando em apoio a Bolsonaro. Não é preciso nem semiótica
para entender a mensagem.
Se
a frustração popular com as limitações da quarentena é compreensível,
não havia uma multidão na rua. Havia, sim, as mesmas franjas que pediam
“SOS Forças Armadas” nos atos pelo impeachment de Dilma Rousseff em
2016.
São
pessoas que acham correto buzinar na frente de hospitais com pessoas
morrendo da mesma doença que eles negam a gravidade, sob inspiração de
Bolsonaro. Mesmo quem quer encerrar as limitações, sem necessariamente
fazer parte do grupo, são só 22% da população, mostrou o Datafolha.
Assim como não há empresariado em massa a favor do governo central. Novamente, a pergunta fica: e os militares?
Não
há uma ordem unida entre as Forças, para começar. Não se vê um
integrante da Força Aérea com destaque no governo, até porque o “homem
do vermífugo”, o astronauta-ministro Marcos Pontes, não é considerado da
cota fardada apesar de ser militar.
A
ativa, após angariar prestígio ao governo cedendo quadros, tenta ao
longo da crise do coronavírus se distanciar da politização fomentada por
Bolsonaro contra governadores, João Doria (PSDB-SP) à frente.
E
as manifestações, públicas ou não, têm sido no sentido de que a
Constituição será soberana. Bom, em 1964 isso também era argumento, mas
os tempos são outros.
A
classe política está se sentindo empoderada, para usar o clichê. Depois
de ter sido escorraçada pelas urnas em 2018, a instabilidade de um
presidente acuado a colocou em evidência. Pesquisas internas de partidos
mostram, contudo, que Congresso e Judiciário continuam com suas imagens
no chão.
É
com isso e com o fato de que as Forças Armadas são ainda vistas com
respeito que Bolsonaro conta. A ala militar dentro do governo, o líder
Fernando Azevedo (Defesa) à frente, acreditava que seria possível
moderar o chefe e conduzir o manejo da emergência sanitária.
Este
domingo provou, pela enésima vez, que isso é impossível. Pior,
Bolsonaro colocou os fardados em xeque no tabuleiro da política. Isso
adensa a crise a um novo nível, e a perspectiva não é das melhores para o
isolado mandatário.
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